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Pandemia

22 de abril de 2020

Cegos no tiroteio

LILIAN PRIMI

Existem hoje no Brasil, pelo menos três números diferentes de mortos por COVID-19. Enquanto o Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde indica 2.906 até 14 horas de hoje (22/04), as secretarias Estaduais indicam algumas dezenas a mais; e o Portal de Transparência do Serviço de Registro Civil Brasileiro, que inclui casos suspeitos e confirmados de COVID em tempo real, já registrava 3.417 até as 16 horas. O pior é que os três estão subnotificados. O Brasil tem hoje, segundo os dados do MS, 45.757 pessoas contaminadas e internadas pelo coronavirus, 165 a mais do que ontem (leia mais abaixo). 

A inconsistência nos números aparece de forma escandalosa nos jornais, que no feriado de Tiradentes anunciavam o número do Ministério da Saúde, de 113 mortes nas últimas 24 horas e logo depois, explodia na tela as imagens dramáticas dos enterros coletivos em Manaus, onde a média diária de sepultamentos subiu de menos de 30 para 100 a partir de domingo (19/04). Nem todos são por COVID-19, mas Manaus não vive, em números absolutos, a situação mais grave do país. O problema maior lá é a falta de estrutura dos serviços de saúde e funerário. O “erro” cometido pelo MS nesse feriado, que inicialmente informou a ocorrência de 388 mortes naquelas 24 horas, só aumenta a confusão: o erro faz mais sentido do que o acerto.

As diferenças são pequenas, mas o que está por traz delas indica um problema gigantesco, que impacta na forma como o País lida com o problema e coloca os gestores numa situação semelhante à de cegos no tiroteio. “Os hospitais não conseguem ter um roteiro real de quantos casos irão entrar amanhã, por exemplo”, explica o físico Domingos Alves, professor no Departamento de Medicina Social da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto-USP, especialista em sistemas de informação em saúde. Domingos faz parte do grupo de profissionais que criou o COVID-19 Brasil, uma plataforma que monitora a evolução da pandemia no país, e diz que o grande erro foi a decisão de não notificar os casos suspeitos. “Isso é a minha grande revolta. Significa que uma parcela da população não sabe por que está enterrando seus mortos, porque ninguém assume a responsabilidade”, diz.

Essa decisão é apontada como um erro fatal também pelo médico sanitarista Pedro Tourinho, professor de medicina da PUC-Campinas e vereador na cidade pelo PT, porque tira a informação do sistema no início do processo. Basicamente, perdemos o acesso aos casos suspeitos”, diz. Há ainda a falta de testes, para quem tem sintomas leves e mesmo para pessoas internadas ou mortas com suspeita da doença. Ele explica que com o Adolfo Lutz, o principal laboratório do País, subdimensionado em pessoal, estrutura e também ambiente, houve uma decisão administrativa mesmo, de notificar apenas os casos graves, que estavam sendo internados.

“A partir do momento que pára de notificar os suspeitos, perde o primeiro parâmetro importante. A situação fica mais grave ainda quando os casos de morte com suspeita de covid-19 também param de ser notificados”, afirma. A fila de exames parados no Adolfo Lutz

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O Portal Transparência do Registro Civil incluiu os casos suspeitos na área especialmente dedicada ao covid-19 e também, as mortes ocorridas por insuficiência respiratória e pneumonia esse ano e no ano passado, apontados por Tourinho e Domingos como bons termômetros da real situação da doença no País. Segundo os registros dos cartórios, 45.635 pessoas morreram por insuficiência respiratória no Brasil em 2019. Esse ano, até hoje – ou seja, em menos de 4 meses - já faleceram pela mesma causa, 43.182 pessoas. Com pneumonia ocorre a mesma coisa: a doença matou 59.806 pessoas em 2019, contra 56.725 janeiro desse ano até hoje, dia 22/04, às 16 horas. A média anual de mortes por pneumonia é de 65 mil.

O portal COVID-19 Brasil, de Domingos, publicou uma estimativa de contágios, incluindo os suspeitos, com base nos números do Registro Civil e chegou a 300 mil pessoas contagiadas no dia 17 de abril, quando o MS falava em pouco mais de 17 mil. “Hoje já devemos estar em 500

mil contaminados”, diz.

Sobre óbitos, Domingos informa que ainda está trabalhando com os dados, mas diz que, considerando a mortalidade basal definida mundialmente, de 1% (registrada na Coréia), teríamos hoje 5 mil mortos pela doença. O blog Brasil.IO, criado há dois anos para “traduzir” as informações contidas nos bancos de dados colocados à disposição do público pela Lei de Transparência, fez esses cálculos. Incluiu os números de casos suspeitos de covid-19 do registro civil e chegou à conclusão de que os dados do MS estão com quatro dias de atraso - as mortes passaram de 1.000 no dia 6 de abril, e não no dia 10 como informou o MS. Juntamente com a tabela que ilustra esse texto, o blog publica uma explicação detalhada de como chegou a esse número, indicando e dando acesso às bases de dados utilizadas e também, a forma como lidou com eles. O trabalho desenvolvido pelo Brasil.IO é feito de forma voluntária e colaborativa e é mantido por doações.

COVID-19 já pode ter matado 5 mil

chegou a mais de 17 mil na semana passada. “Se pegar o boletim número 6 do Ministério, na última página, tem a tabela com as notificações de exames prontos. Era de 0% na semana imediatamente anterior ao boletim, 2% duas semanas antes e 14% três semanas antes. Posso muito bem inferir, numa conta bem rasteira, que o número de óbitos que a gente estava vendo, então, aconteceram na verdade há duas ou três semanas atrás. Vamos ser legal, há duas semanas”, diz Domingos, que alerta ainda para a possibilidade de boa parte das amostras a espera de análise estarem perdidas. Hoje o Instituto Adolfo Lutz  anunciou que conseguiu zerar essa fila e que houve uma perda de pouco mais de 8% das amostras, mas não disse quantos, dos 17 mil que estavam à espera, deram positivo nem esclarece o impacto desse movimento nos números de doentes ou de vítimas. Há denúncias não comprovadas de que a fila era maior e que mais de 20 mil amostras se perderam.

Tourinho diz que a informação mais próxima da realidade é o número registrado nos cemitérios, de pessoas que faleceram por doenças respiratórias graves e são enterradas em caixões fechados. “No Vila Formosa (cemitério da Zona Leste de São Paulo, um dos maiores da América Latina), são 40 por

dia mais ou menos. Teve um dia (na semana passada) que foram 57”, conta o vereador. O governo de Jair Bolsonaro tem usado, de forma no mínimo oportunista, os números minguados pela subnotificação para defender a retomada da economia e o fim do isolamento social. E muitos Estados, até então adeptos da quarentena, começam a anunciar essa semana, uma diminuição gradual do isolamento.

Em São Paulo, onde o governador João Dória vinha sendo elogiado por resistir à pressão de Bolsonaro e manter a rigidez nas normas de isolamento social, anunciou hoje a retomada gradual da economia e a manutenção da quarentena até o dia seis de maio. O governo federal tem feito a ressalva de que a condição para a volta da população às ruas é a garantia de que o sistema de saúde da cidade e do Estado em questão, tenha condições de atender a demanda, mas sem testes e nesse cenário de subnotificação, isso é o mesmo que transformar todos nós em cegos na linha de tiro. “Do ponto de vista político é uma situação maluca, porque não podemos ficar batendo muito no Dória porque ele, ao menos até agora, está mantendo as medidas preconizadas pela Organização Mundial de Saúde, como se a sua gestão da pandemia estivesse correta, o que não é verdade”, diz Tourinho

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Novo ministro participa de coletiva

O ministro da Saúde, Nelson Teich, participou de sua primeira coletiva, que voltou a acontecer depois de quase uma semana de divulgação fria de boletins. Segundo ele, o Brasil tem desempenho acima de outros países, como Estados Unidos, Itália, Alemanha e França, quando considerado o número de mortes por conta da covid-19 em relação ao total da população.Em relação ao isolamento social, prometeu ajustes até o fim da semana. No momento, estão valendo as diretrizes definidas ainda durante a gestão de Luiz Henrique Mandetta, em que estados e municípios devem considerar a incidência de casos e a capacidade de atendimento (de pelo menos metade dos leitos, disponibilidade de trabalhadores da saúde e insumos) para escolher entre distanciamento “ampliado” ou “seletivo”, com maior flexibilização e abertura

de atividades econômicas. “Não pode ficar

sem um programa de saída (ao isolamento). Vamos demorar um ano e meio para ter vacina. O país não pode sobreviver este período parado”, disse. O ministro no entanto, não informou o que deverá mudar, mas ressaltou que o Brasil demanda medidas específicas para cada local.

Teich anunciou a criação de um banco de dados sobre a doença, com participação de outros ministérios, como Casa Civil; e a chegada do general Eduardo Panzuello para a secretaria executiva. E chamou a atenção para o cuidado com outras doenças, apontando uma provável dificuldade de acesso ao sistema de saúde de pacientes com doenças crônicas. “Doentes com doenças, como câncer, não estão chegando [às unidades de saúde]. Tem pessoas morrendo em casa por infarto por que não vão ao hospital em tempo", disse.

Com informações da Agência Brasil

Aplicativo mostra aumento expressivo

nas internações por problemas respiratórios 

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Aplicativo é uma iniciativa do Instituto D'Or de Pesquisa e Ensino em parceria com a  empresa de tecnologia Zoox Smart Data para ajudar identificar os locais de concentração da transmissão da Covid-19 e acompanhar a evolução da imunidade da população. Oferece, além de uma plataforma de autoavaliação e aconselhamento, uma área com estatísticas da Covid-19 e das Síndromes de Doenças Respiratórias Agudas (SRAG).

Fonte: Secretarias de Saúde das Unidades Federativas, dados tratados por Álvaro Justen e colaboradores/Brasil.IO

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