INSTITUTO
WALTER LESER
Saúde coletiva & cidadania
COVID-19 – DOENÇA OCUPACIONAL
ADICIONAL DE INSALUBRIDADE EM GRAU MÁXIMO
Cesar Bimbi
Médico do Trabalho (cbimbi@terra.com.br)
Evandro Krebs
Engenheiro de Segurança do Trabalho (perito@evandrokrebs.com.br)
Giovanni Forneck
Engenheiro de Segurança do Trabalho (giovanniforneck@hotmail.com)
Peritos Judiciais Trabalhistas
De acordo com o conceito moderno da transmissão de doenças infecciosas, os microrganismos infecciosos ou agentes biológicos infecciosos são transmitidos através de vias específicas, produzindo as doenças infecciosas. Ao definir as formas como esses agentes passam de um indivíduo a outro, o conceito de transmissão orienta a formulação de discursos preventivos e de uma racionalidade capaz de romper com o medo difuso e com as atitudes irracionais associados às velhas noções de contágio e de miasma (Czeresnia 1997).
Este conceito integra a legislação brasileira pela Portaria nº 30/Bsb de 11 de fevereiro de 1977 do Ministério da Saúde 1977, ainda vigente. In verbis:
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doença contagiosa: doença transmitida, de indivíduo a indivíduo, sem intermediação;
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doença infectocontagiosa: é preferível substituir esta expressão por “doença transmissível”;
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doença infecciosa: doença do homem, ou dos animais, resultante de uma infecção; e
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doença transmissível: doença causada por um agente infeccioso ou suas toxinas e contraída através da transmissão desse agente, ou seus produtos, do reservatório ao hospedeiro suscetível, diretamente de uma pessoa ou animal infectado ou, indiretamente, por meio de um hospedeiro intermediário, de natureza vegetal ou animal, de um vetor ou do meio ambiente inanimado.
O texto vigente do Anexo nº 14 da NR-15, que trata das Atividades e Operações Insalubre, encontra-se desatualizado e em desacordo com os avanços do conhecimento científico e até
mesmo com a legislação da área da saúde, sendo que a ênfase do texto não está nas doenças infecciosas e nos agentes biológicos associados e sim nos locais e atividades de trabalho, nas pessoas que as executam e em pacientes, animais e materiais potencialmente contagiosos.
O Anexo nº 14 teve sua primeira versão publicada junto com a própria Portaria nº 3.214/1978 do Ministério do Trabalho e Emprego e a segunda correspondente à Portaria SSMT nº 12/1979 do MTb, vigente até hoje.
No caso de agentes biológicos infecciosos, o conceito é o de que a exposição do trabalhador só ocorrerá mediante uma das vias de exposição correspondentes aos diversos modos de transmissão das doenças infecciosas, variáveis conforme o agente infeccioso, sendo alguns transmitidos por mais de um modo e normalmente associados a uma ou mais portas de entrada, a saber:
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por contato direto da pessoa infectada com uma pessoa suscetível, em que as portas de entrada podem ser a pele íntegra ou não íntegra, as conjuntivas ou as mucosas de nariz e boca;
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por contato direto da pessoa suscetível com as gotículas produzidas pela pessoa infectada, em que as portas de entrada podem ser as conjuntivas ou as mucosas de nariz e boca;
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por contato indireto intermediado por um vetor ou veículo contaminado, em que as portas de entrada podem ser a pele íntegra ou não íntegra, as conjuntivas, as mucosas de nariz e boca, o sistema digestório ou um tecido interno após perfuração da pele; e
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por contato indireto intermediado pelo ar contaminado, em que a porta de entrada é o sistema respiratório
(Plog and Quinlan 2001; Siegel et al. 2007; Giesecke 2017).
Não havendo limite seguro de exposição para agentes biológicos infecciosos decorre que não há um tempo de exposição que possa ser considerado aceitável e que as exposições observadas nas atividades de trabalho são usualmente resultado de falhas nas medidas de proteção ou da impossibilidade de identificar a fonte de exposição, isto é, exposições acidentais.
Estas, por sua própria natureza, são imprevisíveis, intermitentes ou descontínuas no tempo e de curta duração, mas suficientes para responder pela maioria das doenças infecciosas ocupacionais que acometem os trabalhadores.
O momento atual da pandemia pelo COVID-19 vem desmistificando a ideia de proteção completa contra agentes biológicos. O que se percebe é que a utilização de equipamentos de proteção individual atualmente obedece um procedimento de excelência talvez jamais visto e, ainda assim, diariamente, temos o conhecimento de profissionais que atuam no atendimento direto ao público em geral, dos mais diversos segmentos, sendo contaminados e vindo a óbito.
A epidemia vírus SARS-CoV-2 colocou em grande evidencia os riscos a que se submetem aqueles trabalhadores que, por dever inerente à atividade, expõem-se a um número significativo de pessoas no seu dia a dia, passando a integrar parte de aglomeramentos.
A transmissão acontece de uma pessoa doente para outra ou por contato próximo por meio de:
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Toque do aperto de mão contaminadas;
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Gotículas de saliva;
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Espirro;
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Tosse;
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Catarro;
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Objetos ou superfícies contaminadas, como celulares, mesas, talheres, maçanetas, brinquedos, teclados de computador etc.
Quem trabalha em guichês de atendimento, aeroportos, caixas de mercados/ supermercados, no transporte coletivo, em estabelecimentos destinados aos cuidados da saúde humana e outras situações similares está sob risco biológico significativamente aumentado.
Atividades de esteiras de produção, onde vários trabalhadores postam-se lado a lado em fileiras e em ambientes fechados e poluídos igualmente oferecem riscos de disseminação do coronavírus, na medida em que também compartilham das mesmas superfícies de toque e manuseio. Uma só pessoa infectada pode espalhar o coronavírus para toda uma coletividade a partir da inobservância de distanciamentos e ausência de uso de máscaras respiratórias.
O vírus SARS-CoV-2 em níveis endêmicos no Brasil desde março de 2020 é ameaça que gera estresse e pânico de base real num espectro inédito de temores fundamentados cientificamente e que não se limita ao trabalhador exposto, mas que também se estende aos familiares daqueles que atuam nas linhas de frente e em situações de risco biológico, pois a chance do infectado carregar o vírus para casa e infectar seus familiares é conhecida, divulgada e consagrada.
O vírus SARS-CoV-2 é potencialmente letal e o complexo de patologias de causa ainda desconhecida, seja durante o evento infeccioso ou mesmo depois da aparente recuperação, podendo restar lesões residuais e irreversíveis do tipo microtrombos e vasculites ao longo dos tecidos como pulmão, rins, fígado, cérebro e pele.
O vírus interage com o sistema imunológico de forma complexa e por fases e o próprio temor generalizado de uma doença letal e desconhecida já é fator que está se mostrando responsável por muitas patologias psicossomáticas. Trabalhadores jovens podem mesmo sendo assintomáticos carregar o vírus a seu ambiente familiar.
Portanto, no caso dos agentes biológicos e, particularmente, em relação à pandemia provocada pelo coronavirus COVID-19, está cada vez mais claro a inexistência de RISCO ZERO, em que pese todos os esforços no cumprimento de protocolos sanitários, do uso efetivo de máscaras de proteção PFF2/N-95 e da disponibilização de proteção coletiva, como por exemplo, instalação de escudos e/ou painéis de acrílico e/ou vidro em guichês de atendimento. Assim, nestas condições, o risco de contágio estará sempre presente, razão pela qual o entendimento é de que estas atividades estão sujeitas ao enquadramento de insalubridade em grau máximo - Exposição a agentes biológicos - Trabalho ou operações em contato permanente com pessoas potencialmente portadoras de doenças infectocontagiosas decorrentes da pandemia do novo coronavírus COVID-19 – Anexo nº 14 da NR15.