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Pandemia

19 de fevereiro de 2022

Muita morte e pouco cuidado, os males da COVID-19 em crianças no Brasil são

Os impactos da COVID-19 entre crianças e adolescentes não são leves ou inexistentes como se fez acreditar desde o início da pandemia, que mais uma vez faz papel de tornassol para a precariedade generalizada enfrentada pelos brasileiros. Além de taxas de mortalidade e número de internações muito maiores do que em vários países, segundo o London Imperial College a doença deixou mais de 300 mil crianças e adolescentes órfãos. O número é a soma dos que perderam o pai ou a mãe, aqueles que perderam os dois e também, que eram cuidados e perderam avós ou parentes 

  Quando se considera apenas as 178,5 mil crianças que perderam um ou ambos os pais, o Brasil ocupa o terceiro lugar no ranking da orfandade pela COVID, atrás apenas do México (208,7 mil) e Estados Unidos (184,1 mil). “Todas estas crianças têm direito a acolhimento e proteção e isso deve acontecer rapidamente”, alertou o professor e antropólogo Benedito Rodrigues dos Santos, da Universidade de Brasília (UnB) durante o segundo seminário da Coalizão pelos Direitos das Crianças e Adolescentes e Jovens sob Orfandade da COVID-19. 

  Ao descrever como está sendo esta experiência em Campinas, cidade do Interior de São Paulo, a promotora Andrea Santos Souza, da Promotoria de Justiça da Infância e Juventude da cidade, mostra a dimensão e a complexidade das demandas geradas (assista o vídeo ao lado), que vão desde insegurança alimentar e de sobrevivência a risco de fraudes e perda ou desvio de direitos. Em Campinas, até agosto 455 crianças e adolescentes perderam seus pais ou cuidadores para a COVID, sendo que duas delas perderam o pai e a mãe, sete tem menos de um ano e 60, menos de seis anos. O Cartório disse `a promotora que não teriam condições de separar quem entre os quase 3 mil mortos por COVID, tinha deixado filhos menores. "Então fiquei eu, uma estagiária e uma funcionaria olhando uma por uma dessas certidões“, conta, expondo a falta de dados como a primeira grande dificuldade para o atendimento.

  A Câmara aprovou uma lei criando o programa Auxílio Campinas Protege, sancionado em outubro e regulamentado em dezembro do ano passado. São três parcelas de R$ 500,00 por família com uma criança ou adolescente que tenha perdido seus pais para a doença. A família deve ainda morar há pelo menos um ano na cidade e estar inscrita no Cadastro Único até a data do óbito, viver em situação de

pobreza (renda mensal de R$ 89,01 a R$ 178,00) ou de extrema pobreza (renda mensal de até R$ 89,00).

  Pernambuco fez algo parecido, o

programa Pernambuco Protege, porém mais definitivo, já que garante uma ajuda de meio salário mínimo para o menor que perdeu um ou os dois pais até a maioridade. No Maranhão, o auxílio de R$ 500,00 também vai até a maioridade de acordo com o Programa Cuidar, experiência relatada pelo promotor Márcio Thadeu Silva Marques, do Ministério Público do Estado. No Estado de São Paulo, o governo oferece um auxílio de R$ 1.800,00 em seis parcelas mensais a famílias que tenham perdido alguém para a COVID. Os critérios de seleção são basicamente os mesmos de outros programas semelhantes: a familia deve estar inscrita no Cadastro Único e ter renda mensal de até três salários-mínimos. O programa considera todas as estruturas familiares, com filhos de todas as idades.

  Há notícias de leis e programas neste sentido criados pelas prefeituras ou câmara de vereadores do Distrito Federal, Natal, Paraíba e Rio Grande do Norte, em um movimento desconectado e sem uma coordenação central, pela omissão do governo federal. A única iniciativa de âmbito nacional vem do Senado, onde um projeto de lei tramita desde meados de 2021, proposto por Eliziane Gama (Cidadania-MA) e que cria o Fundo de Amparo às Crianças Órfãs pela Covid-19. Uma pauta que a bancada feminina, liderada pela senadora, pretende “descongelar” este ano.

Taxa de mortalidade entre internados é de 7% no Brasil, e de 0,5% nos Estados Unidos

  Embora com números menores de mortes quando comparada com as demais faixas etárias, as crianças e adolescentes “morrem mais fácil" de COVID-19 por aqui por falhas no atendimento médico, segundo o pediatra Eitan Berezin, membro do Departamento Científico de Infectologia da Sociedade Brasileira de Pediatria e professor da Faculdade de Pediatria da Santa Casa.   Não é pequena a diferença com o que ocorre em outros países. A SBP publicou uma nota de alerta no final de dezembro, onde informa que a taxa de letalidade entre os hospitalizados deste grupo por Síndrome Respiratória Aguda Grave provocada pela COVID-19 foi de 7%, um escândalo quando colocada diante da mesma taxa nos Estados Unidos, de 0,5% das 3.106 crianças e adolescentes hospitalizados pela mesma doença. Neste mesmo período, o número de crianças e adolescentes hospitalizados no Brasil soma 34 mil, com 2,5 mil mortes. Diz a nota:

“A análise das taxas de mortalidade (mortes por milhão) atribuídas à COVID-19, até novembro de 2021, mostra valores de aproximadamente 41

mortes por milhão entre crianças e adolescentes no Brasil. Quando comparamos com outros países, em período similar, encontramos taxas de 11 mortes por milhão nos EUA  e 4,5 mortes por milhão no Reino Unido (RU), mais uma vez destacando uma carga de doença com maior gravidade neste grupo etário no nosso país.” 

Nas primeiras quatro semanas de 2022, foram notificadas 1.400 internações de crianças e adolescentes entre 6 a 19 anos; e 86 mortes por covid. “Superior a muitas doenças imunopreveníveis com vacina”, diz Eitan. Ele ressalta que é

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preciso relativizar parte desses dados, por conta da falta de testagem em massa no país, e faz uma afirmação ainda mais grave: “As doenças infantis sempre mataram e matam mais no Brasil, e sempre por problemas no atendimento deste grupo”. Ele lembra do período de alta nos casos de coqueluche entre 2011 e 2014, que afetou mais crianças pequenas e lactantes. “Isso ocorreu em vários países do mundo e o número de mortes aqui era muito maior”, conta. E alerta para o impacto na vida dos que sobrevivem à doença, que podem ser definitivos. “Qualquer criança que ficar na UTI, vai ter sequelas. (Com a COVID) Estão aparecendo casos de alterações cardíacas e neurológicas, mas ainda não temos números”, afirma. E mais uma vez, aponta problemas estruturais do sistema de saúde. “Os boletins brasileiros nunca seguiram sequelas de nada, então fica muito difícil saber. Meningite, por exemplo. Tem só mortes (nos Boletins), e trata-se de uma doença altamente sequelar. Nunca tivemos informações de sequelas. Vamos vendo coisas individuais, de médicos que publicam suas observações, mas não existe um número nacional”, conclui.

Na orfandade e na pobreza

Marcio Thadeu Silva Marques, procurador do Ministério Público do Estado do Maranhão, chama a atenção para o grande numero de crianças que tinham suas famílias sustentadas pela renda de um dos avos mortos pela COVID. "A morte precoce de idosos esta gerando impactos na renda das famílias. Sao rendas vindas do Beneficio de Prestação Continuada (BPC), Bolsa Família e pecuniários que sustentam netos e bisnetos no Brasil", disse, baseando-se na Nota Técnica do Ipea, da pesquisadora Ana Amelia Camarano, "Os dependentes da renda dos idosos e o coronavírus: órfãos ou novos pobres?"

Ana Amélia levanta a hipótese do aumento da pobreza das famílias com a pandemia com base nas projeções que fez a partir dos arranjos familiares e composição de renda levantados em 2018 e desemprego até o primeiro trimestre de 2020, ainda início da pandemia, imaginando uma situação extrema, onde a renda do trabalho fica zerada (pelo isolamento social) e se assume que todos os idosos morrem. 

Com relação a perda do trabalho, há diminuição da renda domiciliar per capita de 40% naqueles domicílios onde há mais adultos trabalhando, e de 15,1% nas famílias sustentadas apenas pela renda do idoso. Se todos os idosos morrerem, cerca de 30 milhões de pessoas não idosas terão a sua renda mensal per capita reduzida de R$1.380,60 para R$1.097,80, desde que não haja perda na renda do trabalho dos não idosos. 

“Chama-se a atenção para o fato de que o idoso é vítima duas vezes nessa pandemia: é quem morre mais e quem é mais afetado pelo desemprego. No entanto, o seu papel nas famílias é pouco reconhecido. Acho que se pode falar que se morre um idoso, uma família entra na pobreza”, diz a pesquisadora.

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