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Pandemia

14 de outubro de 2021

Pandemia é mais dura para os invisíveis

  A pandemia aprofundou as dificuldades e sofrimento dos trabalhadores que desempenham tarefas fundamentais, mas passam invisíveis pelo cotidiano. São faxineiras ou diaristas, empregadas domésticas e de cuidados, catadores de reciclados de cooperativas de economia solidária e o pessoal que trabalha nos cemitérios. Para todos eles, a precariedade de sua condição de trabalho fez com que a pandemia fosse mais dura, com consequências muito além do adoecimento e que afetam a possibilidade de sobrevivência.

 O projeto de pesquisa COVID-19 Como Doença Relacionada ao Trabalho incluiu estes invisíveis em suas investigações e os primeiros resultados, divulgados no final de setembro na mesa redonda 36 do XVII Encontro Nacional da ABET, mostram situações de desemprego e desalento absoluto associado a alto risco de infecção entre as domésticas; perseguição e difamação entre os sepultadores; e completo desamparo – social e financeiro – entre os catadores.

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DESCASO

  Das 6 milhões de pessoas empregadas como trabalhadores domésticos no País quando a pandemia começou,  4,32 milhões não tinham carteira assinada segundo o IBGE, “Uma situação de informalidade que teve consequências muito graves durante a pandemia”, diz a cientista Social Louisa Acciari, pesquisadora e co-diretora do Centro sobre Gênero e Desastre da University College London (UCL), e pesquisadora associada ao Núcleo de Estudos em Sexualidade e Gênero da UFRJ, que cuidou da investigação entre as empregadas domésticas, grupo com que trabalha já há algum tempo, em parceria com a Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad). Louisa contou com a Fenatrad para distribuir os questionários da pesquisa nas redes de contato, em especial pelo Whatzapp, dos sindicatos que fazem parte da federação, um grupo naturalmente melhor informado e articulado entre a categoria. “Por isso a situação real pode ser ainda pior do que a que descrevo aqui”, explica.

  Entre as 241 respostas válidas, 37% disse ter perdido o emprego; 60% teve contato próximo com pessoas, ou seja, não conseguiu manter o distanciamento físico; e 37% relataram convivência com pessoas infectadas no trabalho. “Isso mostra um total descaso com medidas de proteção”, mesmo quando os riscos também atingem a família do patrão. Louisa diz que encontrou muitos relatos tanto de ausência de medidas de proteção, quanto de informações a respeito de infecções que poderiam afetá-las.

  As respondentes são mulheres (97%), negras e pardas (78%), com 46 anos em média; apenas 30% trabalha com carteira assinada e outras 44% são diaristas, perfil semelhante ao divulgado pelo IBGE. Das 20% que responderam ter sido infectadas, 86% foram afastadas, mas apenas metade delas recebeu salário e destas, 83% foram pagas pelo empregador. “Não há nenhum mecanismo ou programa social que dê alguma garantia. Elas dependem mesmo da boa vontade do empregador”, conclui Louisa. Das que perderam o emprego, 81% não tinham direito ao seguro desemprego.

PERSEGUIÇÃO

A psicóloga Carolina de Moura Grando, do Sindicato dos Trabalhadores na Administração Pública e Autarquias no Município de São Paulo (SINDSEP-SP) e membro do Núcleo de Ações em Saúde do Trabalhador (NAST) cuida da pesquisa junto aos sepultadores e disse que a perseguição dentro da autarquia que administra o serviço funerário na cidade de São Paulo inviabilizou a distribuição dos questionários e dificultou as entrevistas. Mesmo assim, a pesquisadora conseguiu distribuir questionários impressos nas idas a campo que ainda devem ser coletados, e também realizar 14 entrevistas até agora, todas de servidores que trabalham em um cemitério jardim, um de túmulos, e também na garagem. As informações que ela levou para a mesa redonda da Abet, vieram destas entrevistas e mostram a categoria apavorada, tanto com a possibilidade de se infectarem quanto de perderem seus empregos.

“A primeira coisa que nos chamou a atenção nas respostas é que o serviço funerário aparece como um trabalho de cuidado, com dificuldades que foram muito potencializadas com a pandemia. A COVID-19 aparece como elemento que intensifica muito, tanto a carga de trabalho, quanto o sofrimento. Inclusive intensifica o sofrimento porque intensifica o trabalho”, explica Carolina. O uso de senhas para o sepultamento e a impossibilidade dos familiares verem o parente falecido tornou o ambiente de trabalho perturbador para muitos dos entrevistados, que relatam grande sofrimento emocional. A pesquisadora cita ainda como destaque entre as descobertas, o aumento da terceirização e consequente precarização do trabalho e a discriminação social que a categoria sofre e que se ampliou na pandemia.

PARA ASSISTIR ÀS APRESENTAÇÕES

Organizamos uma playlist chamada DOSSIÊ COVID NO TRABALHO NA ABET no nosso canal do Youtube, com as participações dos pesquisadores da pesquisa em vídeos individuais. Na janela ao lado, destaque para a apresentação dos resultados das domésticas

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ABANDONO

Entre os catadores, a dificuldade foi ainda maior, em parte em virtude da incapacidade dos trabalhadores, que possuem pouca escolaridade e em muitos casos são analfabetos, o que inicialmente inviabilizou o uso de questionário, impresso ou online. A psicóloga Heloisa Aparecida de Souza, professora e supervisora de estágios da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC Campinas) na área de Psicologia no Trabalho, inverteu as fases da pesquisa e começou pelas entrevistas qualitativas.

  Não há ainda uma compilação, mas Heloisa faz um relato da situação que tem presenciado entre as catadoras que integram duas cooperativas na cidade de Campinas, grupos com quem trabalha. “Há uma demanda muito urgente de acolhimento. Ficaram um tempo longo sem poder trabalhar, pois não recebiam materiais e muitas tiveram grande dificuldade em acessar o auxílio emergencial”, conta. O principal motivo dessa dificuldade era a incapacidade para acessar os aplicativos que dão acesso ao benefício e não houve uma política pública para atender a este público, que pudesse ajuda-los a superar essa incapacidade. “Não estavam preparadas. Algumas pessoas se adaptam mais facilmente, mas outras não conseguiram”, explica Heloísa.

  Ela conta que em Campinas, a prefeitura suspendeu a coleta seletiva no início da pandemia, impedindo os cooperados de continuarem trabalhando, com um impacto gigantesco na renda. “Hoje está retomando, mas muito devagar. Em muitas cooperativas há o medo de não conseguir manter os cooperados”, diz. A Prefeitura não avisou a população que estaria retomando a coleta, , assim a quantidade de materiais destinados às cooperativas continua muito pequena e a pesquisadora ressalta a ausência total de qualquer política ou programa que dê algum apoio a esse grupo, que além dos riscos de contaminação, durante a pandemia se tornou ainda mais invisível e vivenciou uma ampliação da pobreza e da vulnerabilidade social.

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