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Memória

02 de fevereiro de 2024 

  Você sabia que durante a ditadura, a negligência da Petrobrás resultou em um incêndio na Vila Socó, em Cubatão/SP? Foram encontrados 93 corpos, mas os moradores afirmam que mais de 500 morreram. E que o descarrilamento de um trem-combustível em Pojuca, na Bahia, também da Petrobrás, matou outras 100 pessoas?

  Que, assim como a CSN, Cia Docas de Santos e Fiat, a Petrobras mantinha um sistema de informações que monitorava e controlava seus trabalhadores e trabalhadoras, em colaboração com os agentes de repressão?

  Que a Folha de S. Paulo emprestou sua frota de veículos para transportar, de forma clandestina, presos políticos?

 Essas informações estão sendo levantadas por uma rede de pesquisa criada em meados do ano passado para investigar evidências de cumplicidade de empresas com a repressão e morte de cidadãos durante a ditadura, um projeto que surgiu a partir da assinatura de Termos de Ajuste de Condutas no âmbito de inquéritos que correm no Ministério Público.  

  Os primeiros resultados do projeto, que tem como título, A Responsabilidade de Empresas por Violações de Direitos Durante a Ditadura, foram publicados em junho de 2023, sem grande repercussão, apesar da gravidade dos fatos relatados. O tema enfrenta um bloqueio nas mídias de grande alcance, o que exige uma “divulgação criativa”, segundo Luci Praun, professora na Universidade Federal do Acre e membro do GT Saúde do Trabalhador do IWL, que coordenou a pesquisa sobre a Petrobras. 

ORIGEM AO PROJETO

A pesquisa foi estruturada no Centro de Antropologia e Arqueologia Forense da Universidade Federal de São Paulo (CAAF/Unifesp) a partir de uma destinação de recursos prevista no Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado entre o Ministério Público Federal (MPF), o Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP), o Ministério Público do Trabalho (MPT) e a Volkswagen do Brasil, acusada de colaboração com os agentes de repressão da Ditadura no Inquérito Civil nº 1.34.001.006706/2015-26.

 A partir de outubro de 2021 e durante um ano e meio, dez equipes de pesquisa, com coordenações vinculadas a universidades de diferentes estados do Brasil, atuação em diversas áreas do conhecimento, e composição que variou entre seis e 22 pesquisadores/as, investigaram a colaboração das

Empresas cúmplices da ditadura

Uma rede de pesquisa investigou e analisou evidências da participação de dez empresas em violações e crimes cometidos durante a ditadura militar no Brasil

empresas Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), Josapar, Folha de S. Paulo, Itaipu, Paranapanema, Fiat, Aracruz, Petrobras, Cobrasma e Cia Docas de Santos. A Petrobras teve participação direta na perseguição política de seus trabalhadores e trabalhadoras desde o início da ditadura, sendo cúmplice pela prisão, que seria seguida de tortura, de seus trabalhadores e trabalhadoras. Há ainda indícios de subnotificação de acidentes de trabalho e violação à liberdade sindical e de responsabilidade em acidentes que geraram graves danos às comunidades - como os citados no início deste texto -, ao ambiente e a povos indígenas.

 As equipes usaram a linha de pesquisa utilizada pelo GT 13 da Comissão da Verdade, coordenado por Rosa Cardoso; e reuniram e analisaram evidências que pudessem servir à instauração ou instrução de procedimentos investigativos do Ministério Público. O objetivo é dar fundamentos para a responsabilização civil ou criminal das empresas e dos que participaram dos atos; e determinar medidas de reparação dessas violações, como ocorreu com o caso da Volkswagen.

 Ao longo do processo, os grupos compartilharam seus achados e conversaram sobre os desafios e dúvidas em reuniões organizadas pela coordenação. Os relatórios parciais também foram debatidos nessas reuniões, em um esforço conjunto que permite a compreensão sobre práticas comuns entre as diferentes empresas e uma reflexão sobre os métodos para um tipo de trabalho inovador, tanto pelo tema abordado quanto pela forma de abordagem, em uma parceria entre universidade e MPF.

  Relacionamos aqui um resumo das denúncias que constam do Informe Púbico de cada uma das empresas investigadas. Baixe o PDF para ver o texto completo, que reúne parte dos dados encontrados. O relatório da pesquisa foi encaminhado ao Ministério Público. Luci avisa que o seu grupo organiza um livro sobre os casos da Petrobras, previsto para sair ainda no primeiro semestre deste ano. 

 No início de 2023, o Projeto, , sob a coordenação do Caaf/ Unifesp, iniciou investigações de três novas empresas: Belgo Mineira, Embraer e Mannesmann, custeadas com recursos provenientes de outro TAC do MPF

TAC CUSTOU R$ 36,3 MILHÕES:

Dos R$ 36,3 milhões envolvidos nos compromissos impostos pelo TAC à Volkswagen, de onde vieram os recursos financeiros para o projeto, R$ 10,5 milhões deveriam promover a memória e a verdade e financiar pesquisas sobre a colaboração de empresas com a ditadura. O Centro de Antropologia e Arqueologia Forense da Universidade Federal de São Paulo (CAAF/Unifesp) recebeu R$ 4,5 milhões deste total, e criou, a partir disse, a rede de pesquisa sobre a cumplicidade das empresas, destinando R$ 2 milhões para a gestão do projeto. O restante financia as atividades de busca e identificação de desaparecidos.

DIVULGAÇÃO CRIATIVA 

IIEP – INTERCÂMBIO, INFORMAÇÕES, ESTUDOS E PESQUISAS, coletivo que reúne entidades voltadas para defesa dos direitos humanos, centrais sindicais, lideranças políticas, juristas e movimentos sociais, promoveu o seminário A Justiça de Transição no Brasil e a Luta por Reparação, que apresentou e debateu os resultados da pesquisa sobre a cumplicidade das empresas com a ditadura. Destacamos aqui a fala de Luci Parun sobre a importância de se recuperar a memória de violações e crimes, para que não aconteçam mais, e das dúvidas e dificuldades no levantamento das informações

A Petrobras participou da perseguição política de seus/suas trabalhadores desde o início da ditadura. Atuou em uma articulação com as Forças Armadas caracterizada pela presença de militares no comando e em outros cargos da empresa, instauração de inquéritos contra trabalhadores/as, participação em “comunidades de informações” envolvendo o empresariado e a ditadura, e disponibilização da infraestrutura da empresa para uso pelas Forças Armadas. Contribuiu com a prisão e desaparecimento de vários trabalhadores(as).

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A Aracruz expandiu seus negócios durante o período da ditadura com incentivos e benefícios do governo e atingiu de forma predatória terras indígenas e quilombolas, sem ser importunada sequer pela Funai. E pode ter mantido muitos trabalhadores em condições análogas à escravidão.

Membros da família Vidigal, acionista majoritária da Cobrasma, participaram de organizações que financiaram o golpe militar e a Operação Bandeirantes. A empresa construiu os carros blindados utilizados na repressão e mantinha em seus quadros, diversos agentes da repressão, entre eles o médico Harry Shibata, diretor do Instituto Médico Legal do Estado de São Paulo entre 1976 a 1983 e que atestou o “suicídio” de Wladimir Herzog.

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A Companhia Siderúrgica Nacional, a CSN, na época empresa estatal instalada em Volta Redonda, no sul do estado do Rio de Janeiro, colaborou com várias prisões – seguidas de tortura – por meio de um sistema de vigilância e informação sobre seus funcionários. É cúmplice da morte de três operários durante a invasão dos militares na greve de 1988.

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O proprietário da Companhia Docas de Santos - CDS é um dos fundadores do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES), responsável pela elaboração das estratégias e pelo suporte financeiro ao golpe militar. Durante a ditadura manteve aparato de vigilância e repressão, o Departamento de Vigilância Interna - DVI, com atuação policial e troca de informações com os órgãos da repressão, inclusive para além dos limites da fábrica, com busca de informações nas casas dos funcionários e na vizinhança.

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A FIAT, implantada no Brasil a partir de 1970, em Betim, estado de Minas Gerais, com favorecimentos econômicos e fiscais, estruturou um sistema complexo de vigilância e informação que mantinha comunicações com órgãos da repressão a respeito de seus(as) trabalhadores(as).

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A Folha de S. Paulo manteve agentes da repressão, militares e policiais, entre seus funcionários e colaborou diretamente com os aparatos repressivos da Ditadura, tendo cedido seus veículos para a realização de ações da Operação Bandeirante, que levaram a prisões, tortura e assassinatos.

A Itaipu Binacional, instalada na década dos anos de 1970, demandou a construção de uma grande represa com impactos ambientais e sociais, incluindo o deslocamento de aproximadamente 40 mil pessoas, com soluções especialmente prejudicais aos grupos mais vulneráveis, e impactos particularmente graves sobre a população indígena ava-guarani.

A Josapar (arroz Tio João), empresa do agronegócio sediada no Rio Grande do Sul, com unidades industriais e filiais de distribuição em diversas regiões do Brasil, se associou com o Banco Denasa de Investimentos, do Pará, e constituiu uma “guarda de segurança” composta por pistoleiros que passou a realizar ameaças, invasão de casas, destruição de plantações, perseguição, tortura e assassinato de lideranças na região, especialmente entre os anos de 1981 e 1984.

A Paranapanema, uma das empreiteira da construção da Transamazônica, promoveu esbulho de terras indígenas, uso de trabalho indígena em condições análogas à escravidão, degradação do meio ambiente e graves impactos sobre os modos de vida, além de disseminação do consumo de álcool e de doenças e promoveu uma desestruturação étnico-cultural, especialmente dos povos Kagwahiva do sul do Amazonas.

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DO INFORME PÚBLICO

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