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LER/Dort

28 de fevereiro de 2022

Um grande número de profissionais das mais diversas áreas do conhecimento, sindicalistas, juristas, legisladores, militantes dos movimentos de defesa da justiça e da vida, "homens e mulheres, jovens e velhos, todos unidos por um fio condutor comum: a defesa intransigente da saúde, da dignidade, do direito à voz e da transformação do mundo do trabalho”, carinhosamente autodenominados “povo da saúde do trabalhador”, reagem à perda de direitos com uma surpreendente e bem vinda renovação de forças e lançam um manifesto com propostas de superação e resgate. 

“[A perda de direitos]Só aguça a vontade maior de resistir e lutar”, diz a Introdução do Almanaque da Saúde do Trabalhador, “um manifesto de luta em defesa da vida e da saúde que procura traduzir a alma do vasto campo de conhecimento da Saúde do Trabalhador”, segundo definição de três dos organizadores que assinam o texto: o médico sanitarista Heleno Rodrigues Corrêa Filho, o médico e professor Luiz Carlos Fadel de Vasconcellos, e o pediatra e pesquisador Carlos dos Santos Silva, militantes de longa data em favor da saúde do trabalhador.

O manifesto, lançado este mês pelo Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), em conjunto com o Sindicato dos Servidores de Ciência, Tecnologia, Produção e Inovação  em Saúde Pública (Asfoc-SN) e com o Conselho Nacional de Saúde, reúne propostas para resgate de direitos que haviam sido duramente conquistados nos últimos 50 anos, perdidos pela insanidade do governo de Jair Bolsonaro em menos de dois anos. “Luta antiga com agenda renovada e prazo indeterminado, cujas conquistas nunca estiveram disponíveis sem seu vigor”, como define muito bem José Noronha, diretor do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde, na orelha deste ALMAnaque. 

E nós, trabalhadores que somos, devemos todos agradecer e dar vivas ao povo da saúde do trabalhador. E torcer para que essa força da natureza jamais se apague na alma destes profissionais. 

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Lilian Primi
Editora

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Viva nós, viva tu. Viva o povo

da saúde no trabalho do Brasil

Prevalência de LER/Dort se mantém alta depois de décadas de luta

De 2012 até 2020, 455,5 mil trabalhadores foram afastados pelo INSS por doença osteomuscular e do tecido conjuntivo provocada pelo esforço excessivo e repetitivo na atividade de trabalho. O número representa 23% do total de afastamentos por doenças ou acidentes ocupacionais do período, prevalência que tem se mantido ao longo dos oito anos do período, com uma pequena queda a partir de 2015. O número, no entanto, não inclui todas as vítimas de Lesão por Esforço Repetitivo  e Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho, a LER/DORT, que elegeram 28 de fevereiro, o seu dia de combate desde o ano de 2000. Este ano, a luta levanta a bandeira de resgate de direitos penosamente conquistados nos últimos 40 anos; perdidos nos dois últimos anos sob o governo de Jair Bolsonaro.

  Conhecidos desde a antiguidade, os males provocados pelo esforço desumano imposto pela forma como as atividades laborais foram sendo organizadas na indústria - em que o “ritmo passava a ser dado pelas máquinas”, como ensina Maria Maeno, médica e pesquisadora em saúde do trabalhador -, foi massificado nos últimos 100 anos, atingindo um grande número de trabalhadores em um número crescente de atividades. 

  No entanto, há grande dificuldade em se obter o reconhecimento formal da sua relação com o trabalho, seja pelo empregador ou pela previdência. “Hoje existe uma maior compreensão, porém caso a caso, o diagnóstico é difícil, porque esbarra em peritos não especializados, que resistem a fazer essa ligação”, explica a procuradora regional do Trabalho, Márcia Kamei. Uma dificuldade que aumenta com a resistência do empregador em assumir que o funcionário adoeceu por causa da forma como ele organizou a sua empresa. 

  Para a procuradora, há grande irresponsabilidade na forma como a indústria adaptou suas linhas de produção e a sua mão de obra às tecnologias de automação. “São ambientes muito opressores, em que os trabalhadores passam horas em atividade repetitiva e não conseguem ter uma noção do valor do seu trabalho”, diz, e reclama de alterações feitas na NR-17, a norma regulamentadora voltada para a questão. “A alteração feita na NR-17 pode ser muito prejudicial, porque na nova redação a pausa não está relacionada de forma direta e obrigatória a atividades repetitivas”, diz. 

  Ela explica que a nova redação do item 17.4.3.1 até prevê pausas, mas como uma das alternativas de uma lista de cinco. Na nova redação, basta o empregador adotar ao menos duas alternativas desta lista de cinco. “Ficou muito aberto”, reclama. E lembra de como a automação aconteceu no corte da cana-de-açúcar: significou um enorme ganho ambiental por suprimir as queimadas, mas com graves consequências para os boias-frias. “A colheita mudou rapidamente da manual, que era exaustiva, com ocorrência de casos de morte por exaustão; para mecânica, sem absorver os excluídos. Gerou uma cadeia de consequências e não existem políticas voltadas para isso”, diz. Um modelo que se repete em todas as atividades que passam por evolução tecnológica. “No mundo todo é assim, mas no Brasil é mais grave”, afirma.

De 2021 a 2020,

455,54 mil (23%)

trabalhadores foram afastados por doenças osteomusculares e do tecido conjuntivo relacionadas ao trabalho
(CID B-91)

 

Outros

134,1 MIL (7%)

Por problemas mentais, comportamentos, e doenças nervosas relacionadas ao trabalho (b-91)

​

O INSS gastou 
R$ 21,1 bilhões

Com o pagamento de Auxílio-doença por acidente de trabalho (B91) no período, sendo R$ 1,7 bilhão em 2020.

​

FONTE:  SmartLAB - Ministério Público do Trabalho

  Maria Maeno aponta os registros crescentes dos transtornos psíquicos relacionados à precarização do trabalho que se aprofunda cada vez mais. “Faces da mesma moeda, os transtornos psíquicos percorrem trajetória semelhante e é preciso restabelecer a energia para combater a narrativa de que os adoecimentos são resultados de propensão física ou psíquica, de fraquezas, de falta de persistência ou comprometimento. O que adoece é a organização do trabalho, a exigência de metas inalcançáveis, a pressão crescente sobre os trabalhadores, a intensificação do trabalho, a ausência de pausas e a falta de tempo de recuperação”, escreve em um texto para a CUT-SP. 

  Maria chama a atenção para dados da Pesquisa Nacional de Saúde, de 2013, que estimou em mais de 3,5 milhões os trabalhadores com diagnóstico médico de LER/Dort, quase 60% com limitações nas atividades diárias. "Os dados oficiais disponíveis não nos dão essas dimensões numéricas e repercussões sociais. Transtornos psíquicos relacionados ao trabalho seguem a mesma trajetória de sofrimento, incapacidade prolongada e impactos sociais importantes", explica.

  Márcia ressalta que estes fenômenos não são novos. “Poderíamos nos adaptar, mas não temos essa cultura de precaução”, lamenta. E segue lembrando que apesar do ainda muito a fazer, houve avanços. “Talvez não sejam suficientes, mas reduziu os danos. A conquista do acesso universal à saúde garantido pela constituição é uma grande vitória”, diz. Que certamente, segundo a procuradora, evitou que o cenário fosse ainda pior hoje

EDITORIAL

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