INSTITUTO
WALTER LESER
Saúde coletiva & cidadania
Pandemia
24 de setembro de 2021
Argentina é o país que oferece o maior apoio ao trabalhador infectado por COVID-19
O país está na frente da Áustria e Suécia, que tiveram a segunda melhor pontuação no estudo do Global Union (UNI), sindicato global que representa mais de 20 milhões de trabalhadores nos setores de comércio, tecnologia e informação, entretenimento e turismo. Brasil está entre os que tiveram os piores resultados
Dos 124 países pesquisados, 31 consideram a COVID-19 como doença ocupacional e 16 já tem sistemas para apoiar trabalhadores acometidos pela doença. Nos Estados Unidos, 34 dos 37 Estados analisados aprovaram leis ou mudaram políticas para reconhecer demandas de compensação para COVID-19; e no Canadá, onde foram pesquisadas as condições em 13 territórios e províncias, 10 aceitaram guias para demandas de compensação para os que adoecem com a infecção.
A Argentina conseguiu somar 13 dos 15 pontos possíveis, pontuação máxima entre as 181 respostas analisadas pelo estudo, juntamente com os estados de Massachussetts, Missouri e Nova Jersey, nos Estados Unidos. O país se destaca da América do Sul no mapa colorido de acordo com as pontuações (quanto mais verde, melhor; as variações de amarelo a vermelho representam os piores cenários, sendo que o vermelho é o extremo pior), onde a maioria dos países apresenta cenário bastante ruim, com pouco ou nenhum suporte do Estado. O Brasil, com 2 pontos, está no pé do ranking – entre zero e 2 -, junto com quase todos da África e também Grécia, Guatemala e Bulgária.
Em vista da instabilidade econômica da Argentina, que sofre com dívida e inflação altas e desvalorização monetária, o estudo considera o caso como um sinal de que o apoio ao trabalhador não depende do desempenho econômico de um país. E aponta a forte liderança do movimento sindical como a razão da rapidez das ações do governo argentino, que permitiu aos trabalhadores terem acesso aos benefícios antes que o sistema de saúde ficasse sobrecarregado. “A classificação da Argentina se deve ao fato de que, com o decreto 367/2020, a COVID foi precocemente classificada como doença ocupacional, ou seja, possui a proteção dos sistemas previdenciários dos trabalhadores, além do atendimento médico correspondente”, explica o advogado Alberto Ovejero, ativista da Liga Argentina pelos Direitos Humanos.
Ovejero conta que em termos de seguridade social, a Argentina tem vários subsistemas e especificamente neste caso, conta com um sistema de saúde, que pode ter gestão pública, sindical e privada, e outro de risco no trabalho. “A seguradora de riscos ocupacionais cuida do pagamento de salários e assistência médica aos trabalhadores com carteira assinada. Os sindicatos, por sua vez, administram as obras sociais que são os postos médicos sindicais, que contribuem para o sistema de saúde. Então houve uma rápida resposta do governo argentino na qualificação jurídica da COVID-19 como doença ocupacional, principalmente porque o sistema de risco ocupacional é muito complexo e tende para o litígio judicial, sobretudo em questões processuais (houve recente
decisão do Supremo Tribunal, por exemplo) e na natureza dos benefícios”, explica.
A limitação é que o valor dos benefícios é o registrado em carteira, em muitos casos menor do que o valor efetivamente pago, que inclui bônus sem registro, o “em preto”. E o grande número de trabalhadores com contratos precários e autônomos, que não são considerados trabalhadores no que diz respeito às leis trabalhistas e previdenciárias. Apesar disso, este grupo foi coberto pelo sistema de seguridade social por meio de um sistema simplificado de contribuições, o monotaxa, semelhante ao programa de Micro Empreendedor Individual (MEI) brasileiro. “Dá acesso ao sistema de saúde do sindicato de origem ou um privado misto, mas assistido”, explica o advogado.
Além da caracterização de doença ocupacional, o governo deu uma renda emergencial universal em quatro ocasiões, de pequeno valor; e durante a vigência do isolamento social, ficou proibido demitir sem justa causa e foi imposta a dupla indenização por demissão, o que inibiu o desemprego. “Nesse sentido, pode-se dizer que as medidas foram intensivas porque o Estado promoveu a continuidade da relação de trabalho para que os sistemas
de segurança social vinculados ao contrato de trabalho pudessem sustentar a situação durante o pior da pandemia”, diz.
EXPOSIÇÃO AMPLA,
GERAL E IRRESTRITA
O médico Carlos Eduardo Siqueira, professor do Departamento de Planejamento Urbano e Desenvolvimento Comunitário da Universidade de Massachussetts, usou o estudo da Global Union como base da sua apresentação na mesa redonda da Abet que discutiu o impacto da covid entre os trabalhadores. Com atuação na área de saúde do trabalhador, Eduardo alerta para uma certa euforia com a vacina. “Isso é um não entendimento de que isso é uma pandemia e portanto, que ela não pode ser controlada em um Estado, em um país, sem que seja controlada em muitos outros também”, diz.
Com a volta das escolas e do comércio em meio à disseminação da variante Delta, altamente infecciosa, somada a uma onda de abandono das chamadas medidas de proteção não farmacológicas (uso de máscaras, higiene das mãos com álcool em gel e distanciamento físico), tem gerado um aumento das infecções em vários países. “Aqui (nos Estados Unidos), a grande maioria continuou trabalhando sem proteção, notadamente nos frigoríficos, que foi um escândalo mundial, também os da saúde e dos transportes, os trabalhadores do comércio....Tivemos uma exposição ampla, geral e irrestrita, como costumo dizer. Muito pouco controle foi feito. Até hoje, continua havendo exposição e infecção”, conta.
Critérios valorizam o reconhecimento automático da
COVID como doença ocupacional
Os critérios que definiram a pontuação do estudo do Global Union levam em conta a obrigatoriedade de notificação, existência de estatísticas transparentes e confiáveis, se a infecção por covid é elegível para benefícios previdenciários e dão o maior peso para a existência de legislação presuntiva de proteção. “Significa que não cabe ao trabalhador provar o chamado nexo causal, que é o nosso grande problema, a nossa grande dor de cabeça, mostrar que a contaminação ocorreu no trabalho e não na comunidade”, explica Eduardo Siqueira. Basta ter sintomas e diagnóstico positivo para covid. Jurisdições em que a qualificação é automática (como na França, Argentina e Suécia), ganham 4 pontos; quando o empregador tem direito a refutar, 3; naqueles em que se analisa caso a caso pontuam 1; outra política, também 1; e sem política, 0. Nas questões sobre as medidas de proteção, respostas positivas valem um ponto, e as negativas, ou quando não há informações ou existem legislações pendentes, não pontuam.
Silveira ressalta que essa falta de controle da exposição das populações ao vírus leva a uma pandemia de altos e baixos. “As pessoas interpretam então, que a queda é definitiva. Quando não é o caso. Portanto é necessário que os ambientes de trabalho estabeleçam proteção continua dos trabalhadores, o que não ocorreu”, alerta. O médico diz que, embora o estudo tenha usado o reconhecimento da covid como doença ocupacional como a melhor prática na proteção do trabalhador, a questão de fundo é que se não reduzir a probabilidade dos trabalhadores se infectarem, seja nos transportes indo para o trabalho, ou diminuindo a transmissão comunitária, não é possível controlar a pandemia.
“Aqui nos Estados Unidos alguns Estados conseguiram alto índice de vacinação – acima de 70% -, mas não controla por que os não vacinados se infectam e permitem que a transmissão continue, assim como a evolução do vírus, que vai ficando cada vez mais infectante. A Delta é mais de mil vezes mais infectante em algumas pessoas, que passam a infectar muitas outras”. Eduardo considera a experiência mundial uma mostra de que a única saída é o controle contínuo, como ocorre na Nova Zelândia, que persegue o status de zero casos; e testagem em massa, como na China. “Se acha o vírus, fecha e isola. Nos Estados Unidos é o contrário: em alguns estados, o governador está propondo leis para proibir que se use máscaras”, conta.