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São Paulo, 3 de agosto de 2022 

Desafios para a Saúde Pública

Referenciada nas análises, preocupações e propostas apresentadas no debate realizado em
26 de julho de 2022, no Instituto Walter Leser da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo

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PARTICIPAÇÃO DE: Aparecida Linhares Pimenta, Gonzalo Vecina Neto; Cláudio Maierovitch; Reinaldo Guimarães e Gastão Wagner *

    Um dos principais temas a ser enfrentado pelo novo governo eleito será retomar o processo de fortalecimento do Sistema Único de Saúde, o mais importante sistema público de inclusão social após a ditadura.

     Fruto de longas lutas pela saúde como direito de cidadania e de experiências práticas locais, a partir de meados dos anos 1970, que se refletiram na realização da determinante 8º Conferência Nacional de Saúde em 1986, o SUS é instituído na Constituição de 1988. Sua implantação durante o processo de democratização do País, contrariamente ao seu homólogo inglês, criado logo no pós-guerra com outra orientação política, social e econômica, aqui o SUS é parido durante o início do reinado neoliberal e com grave crise econômica. Isto impôs, desde o nascedouro, forte constrição no seu financiamento, que perdura e se agravou a partir do golpe de 2016, com a EC95 e por outras políticas limitadoras. O financiamento federal das políticas do SUS durante os governos do PT teve aumento importante, mas não suficiente para garantir a universalização da atenção à saúde com a qualidade necessária e a integralidade dos cuidados. Neste processo, ao longo dos últimos 30 anos ganhou força um forte sistema privado que gasta muito e compete com o SUS na obtenção de recursos públicos, via isenções e contratações, bem como influencia fortemente os processos de trabalho nos serviços de saúde, compete com o SUS na fixação de profissionais de saúde e pressiona os custos do sistema público (exames, checkup, medicamentos caros e ainda com baixa evidência, modelo de hotelaria, entre outros).

    Entre os objetivos a serem perseguidos pelo próximo governo, destacam-se:

  1. Garantir a universalização da atenção primária à saúde, com qualidade à toda população;

  2. Garantir o acesso aos serviços especializados ambulatorial e hospitalar, que atenda às necessidades clínicas dos pacientes, ou seja, sem as excessivas demoras atuais que levam ao agravamento da doença, comprometem a qualidade de vida dos pacientes e de suas famílias e levam a óbitos precoces;

  3. Recuperar a capacidade de atendimento do SAMU, em franca deterioração no país nos últimos anos, bem como ampliar o acesso aos atendimentos de urgências e emergências;

  4. Ampliar a Cobertura Vacinal, em parceria com Estados e Municípios, garantindo o acesso regular e universal à vacinação e fortalecendo o Programa Nacional de Imunização/PNI;

  5. Garantir um regular e atualizado abastecimento dos medicamentos necessários aos tratamentos e à prevenção de doenças;

  6. Fortalecer a Política nacional de Vigilância em Saúde, em parceria com Estados e Municípios, com funcionamento eficiente da vigilância epidemiológica e sanitária em todo território nacional, incluindo a produção e transparência de informações epidemiológicas para a população, incluindo a obrigatoriedade de fornecimento ao SUS dos dados do setor privado da Saúde;

  7. Garantir a atenção à saúde de quem trabalha, ou seja, o SUS deve ser responsável pela tutela da saúde dos trabalhadores, seja para o diagnóstico e o tratamento, quanto à prevenção de agravos decorrentes dos ambientes e dos processos de trabalho;

  8. Implantar prontuário eletrônico nacional de saúde do cidadão. Atualmente tudo está conectado, vigiado, inclusive com o exterior, nas mais variadas áreas, mas não o SUS, que pela sua importância deve ter prioridade entre os sistemas de informação.

   Para atingir esses objetivos são grandes os desafios:

  1. Os gastos do setor saúde representam do 9,6% do PIB, sendo que os gastos do setor Privado estimados em 5,8% do PIB (430 bilhões) e o do Público em 3,8% do PIB (284 bilhões)- dados disponíveis para 2019, ou seja, o gasto per capta do setor privado atinge R$8.600,00 contra R$1.770,00 do público. O atendimento privado gasta 4,9 vezes mais do que o público para atender cerca de 50 milhões de pessoas comparadas com as 160 milhões atendidas exclusivamente pelo SUS. Isto, sem considerar que o sistema público arca com a quase totalidade dos gastos com vacinação, com medicações de alto custo, com a maior parte das hemodiálises, dos tratamentos oncológicos, dos transplantes e de toda vigilância sanitária e epidemiológica para toda a população brasileira. Estudos recomendam que seja preciso que os recursos dos SUS atinjam 6% do PIB ao longo dos próximos quatro anos para atender suas atribuições. Uma das fontes para seu financiamento remete à eliminação das isenções e renúncias fiscais dadas ao setor privado (estima-se que atinjam R$ 56 bilhões em 2022), tanto diretamente pelo não recolhimento de tributos, inclusive a não tributação sobre lucros e dividendos de pessoa jurídica, de contribuições previdenciárias, bem como pelas deduções no Imposto de Renda. A revogação da EC95 e demais limitações ao gasto e ao investimento público para O SUS devem ser removidas;

  2. Garantir estabilidade aos serviços do SUS, ou seja, as modalidades e diretrizes para a contratação dos trabalhadores do SUS devem atender os direitos trabalhistas e as necessidades para a universalização, com qualidade, em todo território nacional, bem como garantir sua estabilidade/perenidade. Atualmente, além de a cobertura estar muito longe da universalização com qualidade, predomina a intermitência de profissionais nos serviços, uma heterogênea qualidade no atendimento e inaceitáveis esperas por atendimentos, sobretudo, mas não só, os especializados;

  3. Fortalecer e aprimorar a Política Nacional de Medicamentos, da produção às diretrizes quanto ao uso, à inclusão dos mesmos no SUS (significa mais recursos e uma reorientação e agilidade na CONITEC), o fortalecimento da estrutura e governança da ANVISA e a garantia da produção e abastecimento dos mesmos em conformidade às necessidades da população;

  4. Recuperação da estrutura do Ministério da Saúde, em franca destruição pelo governo Bolsonaro, bem como apoio à que todas as instituições de saúde públicas no país funcionem a pleno e aumentem suas capacidades, a exemplo da Fiocruz, hospitais universitários, hospitais públicos de todas as esferas, laboratórios públicos, institutos de pesquisa;

  5. Desenvolvimento de uma política científica, tecnológica e de incentivo à produção industrial capaz de atender à área da saúde e não apenas brasileira;

  6. Reavaliar papeis e atribuições dos entes federados, seja no financiamento (atualmente, em muitos estados, municípios gastam até 30% do orçamento com saúde, pelos sub-financiamentos federal e estaduais), como na organização regional dos serviços com capacidade para atender a população da maioria das cidades brasileiras, que têm menos de 50 mil habitantes, que isoladamente não suportam os custos de serviços de média e alta complexidade, nem têm disponibilidade de mão de obra especializada e não se justifica em termos de abrangência dos serviços;

  7. Estimular e apoiar a participação da população e dos trabalhadores da saúde no controle social das atividades do SUS, em todos os níveis.

 

   Os desafios são muitos, mas as vontades também. Cabe aos que, como nós, acreditam na importância do SUS como uma política pública que fortalece direitos para todos e serve à redução das desigualdades, lutarmos por ele.

 Como tem afirmado inúmeras vezes o presidente Lula,

   Saúde não é gasto é investimento.

   Há esperança

* Aparecida Linhares Pimenta: médica sanitarista e assessora do COSEMS/SP,   Gonzalo Vecina Neto: médico sanitarista e professor na Faculdade de Saúde Pública da USP; Cláudio Maierovitch: médico sanitarista na Fiocruz; Reinaldo Guimarães: médico sanitarista e Professor aposentado da UERJ e UFRJ e Gastão Wagner: médico sanitarista e Professor na UNICAMP

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