INSTITUTO
WALTER LESER
Saúde coletiva & cidadania
Pandemia
9 de junho de 2020
Laboratório da USP denuncia a retirada do CEP nos arquivos de dados abertos do DATASUS
A retirada do registro do código postal foi feita alguns dias depois do Labcidade, laboratório de pesquisa da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU), da USP, divulgar mapas das hospitalizações por covid-19 a partir do CEP. A variável foi retirada de todos os arquivos abertos do DATASUS, incluindo os antigos, apagando o histórico de evolução da doença. Segundo a denúncia, publicada no site do laboratório, "a mudança dificulta ainda mais a compreensão sobre a disseminação da pandemia no território brasileiro, limitando inclusive a formulação de estratégias adequadas para seu enfrentamento.Os mapas são ferramentas essenciais e utilizados há séculos no combate a epidemias e problemas de saúde pública.
Os pesquisadores do Labcidade fizeram o estudo de territorialidade como uma forma de explicar as limitações dos mapas institucionais, que de maneira geral, apresentam uma visão global, ignorando informações e especificidades locais. "Mostramos que na medida em que esses mapas escondem informações, impossibilitam a elaboração de políticas públicas efetivas de combate à pandemia”, argumentam, e citam a ineficiência de medidas como “mega rodízio” e o “feriadão”, adotadas pelo governo estadual e municipal para promover o isolamento social.
Em São Paulo, os mapas mostram a relação de casos e óbitos por covid-19 pelo distrito de residência do paciente, áreas muito grandes, que agregam diferentes bairros, quebradas e vilas e têm relacionado a expansão maior do vírus à presença de favelas ou conjuntos habitacionais. Os cientistas do Labcidade, no entanto, mostram que no caso da Brasilândia, por exemplo, que registra o maior número de mortes confirmadas e suspeitas pela doença, essa afirmação não pode ser feita. “Ali viviam na última coleta do Censo em 2010 (IBGE) mais de 280 mil pessoas, números de uma cidade de médio porte, sendo que nem todos residem em favelas”, argumentam.
Outro exemplo é Paraisópolis, onde fica uma das maiores favelas de São Paulo, mas com registros de óbitos por covid-19 entre os mais baixos. Ou ainda distritos periféricos como São Rafael, no extremo Leste de São Paulo, onde apesar da existência de favelas com grandes extensões, têm menos mortes do que os distritos do centro expandido. “Portanto, um olhar mais atento a este mapa nos mostra que não é necessariamente a presença de favelas o indicador central que leva à maior letalidade por covid-19”, afirmam.
A alteração faz parte da estratégia adotada a partir de sexta-feira (05/06) pelo MS, de diminuir a transparência dos dados sobre a covid-19 no Brasil, que retirou informações como o número total de óbitos e as taxas de mortalidade e letalidade, além de retirada do link de acesso aos dados brutos e que vem recebendo críticas no Brasil e também no exterior. Os pesquisadores alertam ainda que a medida cautelar acolhida pelo Supremo Tribunal Federal em oito de junho, para que o Ministério da Saúde amplie a transparência dos dados sobre a doença, não cita a supressão da variável CEP dos bancos de dados do DATSUS.
Os pesquisadores envolvidos no estudo são Aluízio Marino, Raquel Rolnik, Danielle Klintowitz, Gisele Brito e Pedro Mendonça, que tiveram a colaboração de Vitor Nisida e Lara Cavalcante.
Clique aqui para ler o estudo original, sobre as limitações dos mapas institucionais
O mapa do Labcidade, que mostra evolução da doença do na cidade de São Paulo levando em conta o CEP, é o de cima. É um mapa interativo e é possível saber quantos casos de covid-19 aconteceram naquela região. Abaixo está o mapa da Prefeitura de São Paulo, com as divisões por distrito e incluindo a Região Metroppolitana. Os pesquisadores explicam porque o plano de retomada da economia do governo paulista não reflete a real gravidade do estado da doença nas regiões:
“Ele simplifica o território, abstraindo uma série de fatores essenciais para a construção de um planejamento sólido.” Mesmo depois de alterar a divisão incial, criando cinco subdivisões na Região Metropolitana de São Paulo, a limitação de informação ainda é grande e não considera as relações e conexões cotidianas das pessoas, que moram na Grande São Paulo, mas trabalham na Capital.