INSTITUTO
WALTER LESER
Saúde coletiva & cidadania
Pandemia
02 de fevereiro de 2021
Petrobras tem surtos em série e esconde dados sobre a doença
Federação Única dos Petroleiros (FUP) soma 60 mortes entre os 52 mil empregados efetivos e outros 90 mil terceirizados e a Federação Nacional dos Petroleiros (FNP), outras 23; mas boletim do Ministério das Minas e Energia só registra nove
Os sindicatos e centrais que representam os petroleiros denunciam o comportamento irresponsável na gestão da pandemia da diretoria da Petrobrás, que está provocando surtos em série nas unidades da empresa, em especial nas plataformas, onde os funcionários permanecem embarcados e trabalham por turnos. A empresa tem se recusado a informar o número de óbitos e não monitora a doença entre os funcionários terceirizados. As mortes só aparecem nos boletins de monitoramento do Ministério das Minas e Energia (MME), que também faz uma conta parcial. “Nele há informações apenas da Petrobrás controladora. Não há dados sobre o sistema Petrobrás, que inclui suas subsidiárias e regionais”, explica o economista do Dieese, Cloviomar Cararine, assessor na FUP.
Responsável por organizar os dados que embasam as ações dos sindicatos, o economista tem se debatido com as inconsistências nos números apresentados pela empresa e pelo governo. “A única informação sobre a doença nas empresas de petróleo e gás publicada com regularidade é esse boletim semanal do MME sobre números em empresas estatais de energia, que tenho acompanhado. Em muitos casos, eles sobem e descem sem nenhuma explicação”, conta. Além do boletim, Cloviomar trabalha com os números apresentados pela empresa em reuniões semanais de Estrutura Organizacional de Resposta da Petrobrás (EOR) sobre o tema. “Em alguns momentos apresenta números de contaminados nas subsidiárias e de terceirizados, mas estes dados não aparecem no Boletim do MME. Em vários momentos apresentava números diferentes do que ela enviava para o MME. Uma confusão”, diz.
Marcelo Juvenal Vasco, diretor do Sindicato dos Petroleiros do Litoral Paulista (SindipetroLP), filiado à outra grande central, a Federação Nacional dos Petroleiros (FNP), também reclama da inconsistência de dados e diz que há três meses, desistiu de acompanhar esses boletins do MME. “É uma besteira. Tem uma omissão de informações danada”, diz. Ele mantém uma planilha e está monitorando os casos que chegam até o sindicato. “Existe uma dúvida muito grande sobre esses números, que com certeza são muito maiores. Por exemplo, os óbitos. O último boletim contabiliza 9 mortos e eu, só aqui (no Litoral de São Paulo) já tenho o registro de 19, além de outros três ainda sem registro”, informa. Na terça-feira (dia 02), ele recebeu a informação de mais um óbito, que assim somam 24 na sua base. Na base da FUP, o total chega a 60 mortes segundo informações que chegam dos sindicatos e também, trazidas por fontes internas ligadas aos sindicatos: 12 de funcionários próprios e 48 terceirizados. A Petrobras e o MME registram a contaminação de 4.550 trabalhadores segundo o último boletim, referente às ocorrências até 1 de fevereiro: 4.352 recuperados, somados aos 181 casos confirmados e em quarentena e 17 hospitalizados na última semana.
No momento, a situação mais crítica na base da FNP é o surto de Manaus. Segundo informe publicado no site da central, na última semana dois petroleiros da base do Sindipetro PA/AM/MA/AP - um funcionário na usina termelétrica Jaraqui e o outro técnico de manutenção em Urucu - faleceram vítimas de COVID-19 na cidade, além de existirem vários internados nas UTIs e alguns transferidos, por pressão do sindicato, para outros Estados.
Na base do Norte Fluminense e Bacia de Campos, a atenção no momento está voltada para o surto na P-63, que teve início há pouco mais de uma semana, no sábado, dia 23, quando quatro trabalhadores que tinham acabado de embarcar apresentaram sintomas da doença e testaram positivo. No dia seguinte, o enfermeiro que fez o atendimento também testou positivo, assim como um trabalhador do lastro. Segundo informações do SindipetroNF, a plataforma teve seis casos confirmados e três suspeitos. Os dirigentes sindicais que estão lidando com a situação reclamam da inoperância dos gestores das empresas e denunciam que uma semana depois, não havia informações sobre testagem dos trabalhadores e higienização da plataforma.
Protocolo furado
O Coordenador do Departamento de Saúde e Segurança do SindpetroNF, Alexandre de Oliveira Vieira, reclama dos protocolos da empresa e diz que eles na verdade, estão contribuindo para piorar a situação. “Além de não avançar na melhoria da testagem, eles deixaram acabar um contrato de RT-PCR (o teste de diagnóstico real) e demoraram para renovar. Temos um protocolo mais barato e mais seguro de testagem e retestagem, inclusive aprovado pela Fiocruz, mas a empresa não adere”, diz. Atualmente os petroleiros que trabalham embarcados ou por turno fazem um teste rápido três dias antes de embarcar – ou começar o turno – e se der positivo, ficam em quarentena e são encaminhados para o teste RT-PCR. “Não considera a janela imunológica e tem acontecido casos em que o trabalhador testa negativo e alguns dias depois de embarcar, começa a apresentar sintomas”, diz o coordenador da Secretaria de Saúde, Meio Ambiente e Segurança da FUP, Raimundo Teles. Alexandre relata um desses casos em suas planilhas: No final de dezembro, quase na véspera do Natal, dois petroleiros desembarcaram da P-56 e um deles testou positivo. O que teve resultado negativo no seu teste, começou a sentir os sintomas da doença dois dias depois e não embarcou. Porém, antes
FOTO:Divulgação, PEC
FOTO: DIVULGAÇÃO/PETROBRAS
PLATAFORMA P-63, na Bacia de Campos, é o caso de surto mais recente nas unidades da Petrobrás
Marcelo Juvenal Vasco, diretor do Sindipletro-LP (acima, à esquerda)
"Não vejo mais os boletins do MME. Tem uma omissão de informações danada".
Cloviomar Cararine, Economista, assessor do Dieese na FUP (acima, à direita)
"Em vários momentos (o boletimdo MME) apresentava números diferentes do que ela enviava para o MME. Uma confusão."
Alexandre de Oliveira Vieira
Coordenador do Departamento de Saúde e Segurança do SindpetroNF
(abaixo, à esquerda)
“Além de não avançar na melhoria da testagem, eles deixaram acabar um contrato de RT-PCR, demoraram para renovar. Temos um protocolo mais barato e seguro de testagem e retestagem, inclusive aprovado pela Fiocruz, mas a empresa não adere”
Raimundo Teles, coordenador da Secretaria de Saúde, Meio Ambiente e Segurança da FUP (abaixo, à direita)
“Não apresenta a distribuição dos casos, quantifica de forma muito rasa, de forma que os sindicatos ficam impossibilitados de oferecer apoio e assistência, ou fazer um acompanhamento do serviço social e proteção, da saúde e securitária”
TERCEIRIZAÇÃO INSANA
Segundo informações publicadas no site da empresa e no boletim do MME, a Petrobrás emprega atualmente 46.416 pessoas em 107 plataformas e 13 refinarias. A estrutura a que Cloviomar se refere quando fala em “sistema Petrobrás” inclui subsidiárias como a Transpetro e PBio e emprega 52 mil trabalhadores próprios e 90 mil terceirizados.
O quadro funcional da Petrobras mudou completamente de 2013 para cá, quando haviam 400 mil trabalhadores terceirizados, ocupando postos de trabalho fixos e em atividades fins. A relação de terceirizados nessa época era de um para quatro, ou seja, para cada trabalhador próprio, existiam
outros quatro terceirizados. Hoje essa proporção é bem menor porque mais da metade da empresa foi vendida. O sistema Petrobrás envolvia termoelétricas, usinas de biodiesel, e BR Distribuidora, todas terceirizadas, assim como parte da Transpetro. Da TBG (empresa de transporte de gás), praticamente só restou o escritório. A privatização avança ainda mais rápido agora, com o governo de Jair Bolsonaro, assim como a terceirização, que chega às plataformas, onde várias tarefas envolvidas na atividade principal da empresa como lastro, estão sendo terceirizadas, conforme denúncia recente do SindipletroNF, que você pode ver aqui.
disso tinha tido contato com outro trabalhador no transporte coletivo, que embarcou e cinco dias depois adoeceu e testou positivo. “É um exemplo claro da necessidade de retestagem a bordo”, diz o coordenador. O que não consta nos protocolos da empresa.
Os protocolos de testagem da Petrobrás viraram notícia no início da pandemia, como um exemplo do que não se deve fazer. A Nota Técnica 28, de indicações para aplicação dos testes, foi totalmente condenado pelos técnicos e pesquisadores porque considerava apto para o trabalho e para o embarque quem estivesse assintomático e com teste positivo no IgG, que identifica a presença de anticorpos. Esse grupo também não precisaria fazer novos testes no futuro, porque teoricamente, ele já tinha eliminado o vírus e se mantinha imunizado. Ele só era encaminhado para a quarentena se testasse positivo no IgM, que aponta a presença do coronavírus. “Isso não ocorre mais. A Petrobras reformulou essa nota técnica quando a comunidade médica, a partir do aparecimento de uma nova cepa, estabeleceu o prazo de 90 dias como padrão para recontaminação. O novo protocolo estabelece agora esses 90 dias como prazo limite para que o trabalhador seja reinserido no plano de testes”, explica.
Alexandre reclama também da manutenção dos cursos presenciais
desnecessários e de lockdowns “meia-boca” em plataformas com registros de contaminação, como na P-50, onde houve um surto na primeira semana de janeiro, em que dos 20 trabalhadores desembarcados com suspeita, 16 testaram positivo. Nessa plataforma, os trabalhadores ficam alojados em grupos de quatro por camarote e, segundo relatos da rádio peão, há aglomeração durante os simulados de abandono. A empresa que cuida da parte de hotelaria na unidade reduziu em 50% o número de funcionários durante a pandemia, o que afetou o serviço de atendimento nos refeitórios e de limpeza e higienização. E embora os residentes estivessem proibidos de acessarem as áreas do casario e as salas dos operadores da área, as interações e contatos seguiram normais nas áreas externas, mesmo durante o surto.
Raimundo considera esse quadro um resultado da pouca preocupação com os riscos da pandemia por parte dos gestores de todo o setor, não apenas da Petrobrás. “Não apresenta a distribuição dos casos, quantifica de forma muito rasa, de forma que os sindicatos ficam impossibilitados de oferecer apoio e assistência, ou fazer um acompanhamento do serviço social e proteção securitária. As medidas adotadas até agora são todas uma meia verdade, com implicações econômicas (nefastas) para os trabalhadores”, conclui.