INSTITUTO
WALTER LESER
Saúde coletiva & cidadania
O doloroso enfrentamento da morte por covid-19
LILIAN PRIMI
Quem não honra seus mortos, escreve Evaristo Miranda em Agora e na Hora: ritos de passagem à eternidade, acaba por levá-los como um peso na alma. Ritos de corpo presente, segundo o autor, que investiga como isso ocorre em diversas culturas nesse livro, nos colocam diante do morto e ajudam com o pesar necessário para a retomada do equilíbrio, destruído pela morte de quem amamos. Algo impossível para os que morreram por covid-19, que no Brasil já são mais de 77 mil pessoas, sepultadas em dolorosa sem cerimônia.
Rabisco 4: Caminho-Move-se (Mothú 2020)
Na Espanha, país duramente afetado pelo coronavírus como o Brasil, um grupo de profissionais especializados em luto e perdas criou um guia para os familiares e amigos que ficaram para trás, com almas pesadas. “Para você aprender a equilibrar seu processo de luto, nós o convidamos a tomar a vara e a linha de equilíbrio, realizando confrontos e tarefas, conexão e desconexão da sua dor por momentos”, ensinam, numa associação com a difícil tarefa de um equilibrista sobre o fio, que na vida liga “o momento da morte e o momento em que você sente que pode sustentar essa situação de alto impacto, onde é capaz de se lembrar do seu ente querido falecido sem ser dominado pela intensidade de suas emoções e sem que isso o afogue ou paralise”. Como o equilibrista, uma lenta caminhada, com muitos passos para trás, numa alternância entre lembrar e esquecer.
Esse guia foi traduzido aqui no Brasil pelo Segura a Onda, uma plataforma online mantida por um grupo de voluntários para tornar conhecidas e replicar experiências e iniciativas cidadãs, de apoio, acolhimento e assistência aos atingidos pela pandemia logo no início das contaminações. Hoje, uma Rede de Apoio às Famílias de Vítimas Fatais da Covid-19 está formalizada em um site que reúne essas iniciativas e indica locais e profissionais dispostos a ajudar, sem custo, essas famílias. São organizações da sociedade civil, movimentos sociais e a plataforma Segura a Onda, alinhados com o Pacto pela Vida e pelo Brasil, lançado pela Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns, dispostos a acolher quem se perdeu na dor e na ausência.
Soltura de balões cheios de papeis com mensagens para quem se foi, como a homenagem da população de Brumadinho aos mortos pela barragem da Vale, é uma das sugestões para o novo ritual fúnebre
Além do guia espanhol, há outros quatro textos, brasileiros, com orientações, conselhos e sugestões. Como realizar cerimônias virtuais, ou combinar uma hora de oração ou de silêncio em que cada um, de suas casas, ofereça a sua homenagem e afeto, propostas pela ong Vamos falar de luto; ou a sugestão de deixar que o núcleo estendido (pessoas fora do círculo familiar íntimo) organize os rituais, feita pelo Movimento InFINITO, a partir do desejo da família. Ou o guia organizado pela Academia Nacional de Cuidados Paliativos, voltado para os profissionais de saúde e equipes de cuidados paliativos. E ainda uma lista com sites especializados em luto e outra, de serviços de atendimento psicológico gratuito online.
A plataforma Segura a Onda, também inspirada em uma iniciativa espanhola, a FrenaLaCurva, funciona como um mapa virtual dessas iniciativas, reunidas em fóruns temáticos como por exemplo, para as fontes oficiais nacionais e internacionais, locais que oferecem informações confiáveis, sobre cuidados, quarentena, educação, trabalho e renda, etc. A plataforma criou também um memorial no Facebook, onde as famílias podem publicar homenagens na forma de cartas, fotos, vídeos, poesias ou músicas, que juntamente com as reuniões virtuais são parte do novo ritual do “bem morrer”, apesar do coronavírus.
O Movimento InFINITO define o que estamos vivendo como um momento de desafio coletivo e propõe a aplicação da Teoria do Anéis desenvolvida por Susan Silk e Barry Goldman. para entender o que é preciso fazer. Mais detalhes nesse post do Instagram