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Pandemia

06 de agosto de 2021

Covid-19 já matou 239 jornalistas no Brasil

De acordo com o relatório da PEC, pelo menos 239 profissionais de mídia morreram de infecção por Covid-19 de março de 2020 até o final de maio de 2021. Este número é esmagador por si só e só se compara às perdas da categoria no Peru (163) e na Índia (246) durante o mesmo período.

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Mortalidade de jornalistas é de

0,6% do total, índice três vezes maior do que o registrado na população como um todo, que é de 0,2%

3.930 jornalistas tiveram cortes de até 25% em seus salários, pelo menos 81 foram suspensos e um mínimo de 205 demitidos.

Pelo Representante do PEC no Brasil
 

Publicado originalmente em 10 de junho de 2021 no 

site do PEC (Press Emblem Compaign)

Olhando mais de perto, a situação no Brasil é preocupante se for contabilizado o número total de jornalistas ativos no país - cerca de 42,3 mil, segundo dados coletados pelo portal Comunique-se em 2019. Isso significa que cerca de 0,6% do total de trabalhadores da mídia brasileira morreram de Covid-19 neste período de 15 meses.

De acordo com a ONU, atualmente o Brasil tem uma população de cerca de 214,5 milhões. Até maio / 2021, o Governo reconhecia oficialmente as mortes de 465.000 habitantes na Covid-19 desde o início da pandemia, ou aproximadamente 0,2% de toda a população.

TRÊS VEZES MAIOR

Em comparação com a população em geral, o índice de mortalidade é o triplo entre os jornalistas neste país sul-americano. O número de mortos no jornalismo brasileiro se destaca até mesmo em relação a outras profissões particularmente expostas ao vírus. O Ministério da Saúde estima um total de 6.650.000 profissionais de saúde no país, entre médicos, enfermeiras, biomédicos, profissionais de EF, farmacêuticos, fisioterapeutas, dentistas, psicólogos, radiologistas, nutricionistas, gerentes hospitalares, esteticistas, cosmetologistas e biólogos. São registrados como trabalhadores essenciais desde o primeiro dia. A Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil), que representa a classe dos Oficiais de Registro Civil de todo o País, foram registrados 1.411 óbitos entre esses profissionais entre março de 2020 a fevereiro de 2021, ou 0,02% do total, índice dez vezes menor do que o encontrado na população em geral.

Os profissionais de saúde são, possivelmente, a única classe que teve acesso a testes anteriores, e muitos deles também tiveram acesso a cuidados hospitalares quando necessário. Exceto por algumas autoridades médicas brasileiras notáveis, quase todos os trabalhadores desta categoria observaram distanciamento social e regras de uso de máscaras e não responderam a tratamentos não comprovados e ineficientes. A categoria também abrange várias profissões. Esses fatores podem explicar por que eles não foram tão afetados, embora estejam no meio da batalha.

Ainda comparando: as informações do US Bureau of Labor Statistics datam de 2018, mas indicam que os EUA perderam cerca de 0,13% de uma força de trabalho em jornalismo de pelo menos 37.200. O número de trabalhadores da mídia na Índia não está prontamente disponível, mas a plataforma de dados de negócios Statista estima um número de 93.000 trabalhadores apenas na mídia impressa, então o pedágio da Covid-19 entre os jornalistas indianos seria responsável por mais de 0,25% (uma estimativa conservadora).

Nenhuma das informações acima indica que a pandemia não é um problema sério. As perdas são enormes e comparáveis ​​aos piores massacres da história, especialmente considerando que muitos deles eram evitáveis. As percentagens são utilizadas apenas como meio de comparação.

TRABALHADORES

ESSENCIAIS MAL PAGOS

Como é de se esperar em um país com tamanha desigualdade de renda, o vírus tem feito muito mais vítimas nas camadas menos favorecidas da sociedade brasileira. Trabalhadores essenciais mal remunerados, como os ligados ao grupo de trânsito e transporte, foram gravemente afetados, com cerca de 960 mortos apenas na cidade de São Paulo, no intervalo março / 2020 a março / 2021, divulgado pelo Instituto Pólis.

Jornalistas e profissionais de comunicação foram classificados como trabalhadores essenciais pelas regras especiais pandêmicas brasileiras (que também incluíam barbeiros, cabeleireiros e academias, aliás). Na prática, ser designado como essencial no Brasil nunca significa que terão direito a mais proteção do governo de qualquer tipo, como compensação financeira, fornecimento de máscaras ou protetores faciais, creches ou até mesmo um ambiente de trabalho limpo. Significa apenas que eles não tinham permissão para parar de comparecer em seus locais de trabalho. A eles foram negados qualquer possibilidade de distanciamento social.

TRABALHO NAS RUAS

É amplamente conhecido que muitos freelancers, repórteres e suas equipes de apoio não podem trabalhar em suas casas; eles devem estar em campo para testemunhar os fatos e manter a população informada.

Essa não é a realidade de todos os trabalhadores da imprensa, como editores, redatores, locutores de rádio e muitos empregos relacionados à mídia de TV e Internet. Mesmo os repórteres de campo não estão necessariamente trabalhando em contato constante com pessoas infectadas, ao contrário dos profissionais de saúde nas linhas de frente de hospitais e clínicas.

Os jornalistas no Brasil são, em sua maioria, profissionais com nível superior, ou que tenham pelo menos o ensino fundamental completo. Eles deveriam ter melhores condições financeiras para se proteger, seja no trabalho ou em quarentena doméstica. Por que a taxa de letalidade nesta categoria é muito superior à verificada no setor saúde?

Mesmo as forças policiais, que foram fortemente atingidas pelo vírus, mostram-se menos letais do que os repórteres. De um total de 513.979 policiais em 26 estados e um Distrito Federal, foram 465 mortes confirmadas pelo novo coronavírus, ou 0,09% do total, conforme apurado pelo portal G1. Os próprios jornalistas estão preocupantemente procurando hipóteses.

“O medo vem de todos os lugares. Acredito que os maiores riscos na rotina de trabalho vêm dos relatos de campo, por exemplo, nas entrevistas ao vivo. Por mais que procuremos ser cuidadosos, esse tipo de trabalho geralmente requer proximidade com pessoas que não encontramos com frequência e que não sabemos nada sobre seu nível de autopreservação. Há também o risco de cobrir locais com alto índice de contágio, como hospitais e transporte público”, afirma o jornalista e editor-chefe do jornal Opção, Marcos Aurélio Silva. “As redações também não são totalmente seguras. É um local onde profissionais se reúnem, compartilham ambientes e equipamentos”, continua.

 

INFORMAÇÕES VERDADEIRAS AJUDAM A SALVAR VIDAS

Para a jornalista Cynthia Fernandes, da Agência Radioweb, o maior risco enfrentado pela categoria durante a pandemia é a deslegitimação da profissão. “Somos questionados sobre averiguação e checagem de fatos como se fôssemos mentirosos”, desabafa.

Além de estar constantemente sob controle, o profissional carrega a carga de receber as notícias em primeira mão, mesmo as piores, segundo Fernandes. “O cansaço é maior porque não há trégua. As notícias nunca param, mas somos surpreendidos pela necessidade de nos mantermos constantemente conectados e atualizados em uma situação de pandemia. Acompanhar a tragédia tão de perto nos causa doenças. Assim como os profissionais de saúde no calor da batalha, também estamos reportando desde a linha de frente”, explica o jornalista.

Norian Segatto, chefe da secretaria de saúde da FENAJ, lembra que a taxa média mensal de mortalidade entre jornalistas brasileiros no primeiro trimestre de 2021 foi de 28,6. “Os casos registrados até agora são fruto da necropolítica do Governo Federal. Os números mostram que é urgente que a sociedade se posicione contra o governo genocida de Jair Bolsonaro”, afirma.

Maria José Braga, presidente da FENAJ, acrescenta que “assim como os profissionais de saúde, a categoria do jornalista está fazendo um grande sacrifício para levar informação qualificada à população brasileira. Os números são alarmantes, mas seguiremos cumprindo nosso dever, porque informações verdadeiras também ajudam a salvar vidas”.

GESTÃO DO BOLSONARO

Na verdade, a gestão Bolsonaro da crise do coronavírus foi classificada como a pior do mundo, de acordo com um estudo do Australian Lowy Institute publicado em janeiro. As instituições democráticas brasileiras e os governos estaduais e municipais ainda conseguiram superar parte da inépcia do Governo Central, mas não conseguiram remover o Bolsonaro de uma vez, apesar das crescentes evidências dos crimes de seu governo contra a população. O Congresso enfrenta 127 pedidos de impeachment de vários partidos políticos e grupos sociais. O resultado é um país com o 2º maior número oficial de mortes de Covid-19 e o 3º país em número de casos, conforme registrado pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Embora muitos jornalistas tenham conseguido manter a quarentena e trabalhar em casa, eles vivem neste contexto. Em um país com tantos infectados, andar de elevador se torna um risco. Levar o lixo para fora e cruzar com os vizinhos no corredor pode resultar na transmissão do vírus. Durante todo o ano de 2020, o Governo Federal desencorajou o uso de máscaras e estimulou aglomerações. Com o vírus circulando livremente, é muito mais arriscado contrair a doença ao pedir comida ou levar o cachorro para passear. É por isso que muitos jornalistas provavelmente foram infectados em suas vidas privadas, mesmo que tenham tomado precauções.

Este nível preocupante de casos (com uma média de 65.900 novos casos diários) torna mais perigoso trabalhar no campo. Deve-se considerar que toda o primeiro escalão do Governo Federal teve Covid-19 e não tomou medidas para impedir sua disseminação para terceiros. Repórteres que cobrem a política e entrevistam autoridades sempre estiveram em risco, especialmente considerando o quão violento este governo tem sido com a imprensa livre.

GRANDE REFORMA DAS LEIS TRABALHISTAS

Outros motivos relevantes para o destino atual dos trabalhadores da mídia no Brasil provavelmente surgiram muitos anos antes da pandemia. Em 2016, a ex-presidente Dilma Rousseff sofreu impeachment no Congresso e foi sucedida pelo vice-presidente Michel Temer. Ele foi rápido em propor uma grande reforma da legislação trabalhista que resolveria a questão do desemprego, com índices de 12% naquele ano.

A proposta foi votada por um Congresso muito favorável e amigável e foi aprovada em tempo recorde. Incluiu, entre outras medidas, a permissão para demissões em massa sem consultar os sindicatos, redução de taxas e multas por rescisão de contrato não motivada, facilitação para exigir horas extras, possibilidade de redução dos direitos trabalhistas sem o consentimento dos sindicatos e obstáculos para os trabalhadores exigirem indenização na Justiça. Contratar funcionários como Pessoa Jurídica (PJ) para reduzir impostos e direitos trabalhistas deixou de ser uma fraude.Cinco anos depois, o desemprego atingiu o pico de 14,7%. Não apenas por causa da pandemia. Em março de 2020, a taxa já era de impressionantes 12,6%. Os trabalhadores da imprensa foram os mais afetados com a reforma legislativa. Assim que entrou em vigor em 2017, o grupo Abril, grande e tradicional empresa de mídia brasileira, iniciou uma demissão massiva que terminou com 1.500 desligamentos até novembro de 2018. Logo depois, eles entraram com pedido

de concordata e pararam ou reduziram todos os pagamentos de indenizações.

Outros grupos seguiram o mesmo caminho: Folha de S. Paulo, um dos maiores jornais do Brasil, encerrou pelo menos 20 empregos em 2019; O SBT ( Sistema Brasileiro de Televisão ), segundo maior canal de TV aberta do país, demitiu 15 jornalistas em 2020; O grupo Bandeirantes demitiu outros 80 profissionais da imprensa em 2018. As Organizações Globo, maior conglomerado de mídia do hemisfério sul, supostamente demitiu 30 jornalistas em 2018 e outros 15 em 2019, e então reduziram os salários de alguns dos funcionários restantes. Outros grupos menores e regionais fecharam completamente seus departamentos de notícias ou simplesmente os reduziram pela metade.

Alguns desses jornalistas demitidos conseguiram uma recolocação em grupos multinacionais, mas como o mercado de trabalho não se recuperou, a maioria continua trabalhando como freelancers, intermitentes, temporários, contratados ou mesmo não registrados, com contrato de PJ ou tiveram que abandonar totalmente o jornalismo e começar uma carreira em outro campo.

MENOS ACESSO A

CUIDADOS DE SAÚDE

Essa mudança geralmente significa mais trabalho e salários menores. O jornalismo profissional já havia perdido muito de seu prestígio na sociedade brasileira. A mídia no Brasil é notória pela alta concentração de propriedade. Os sindicatos perderam muito de seu poder e quando o novo coronavírus estourou, os profissionais de comunicação foram forçados a continuar trabalhando em suas redações. Muitas empresas não se preocuparam em fazer cumprir os procedimentos e protocolos de segurança. Às vezes, eles foram implementados, mas eram ineficientes.

Jornalistas que perderam o emprego também perderam o acesso a planos privados de saúde e a contratação de um novo individualmente pode ter custo proibitivo no Brasil. Esses profissionais tiveram que contar com um sistema público sobrecarregado quando adoeceram. Eles foram submetidos a filas para as escassas UTIs, tanques de oxigênio e kits de intubação, assim como o restante da população brasileira.

Privados da proteção de um emprego formal, os repórteres simplesmente não podiam se dar ao luxo de adoecer. Não havia mais direito a licença médica. Ficar na cama em casa ou no hospital significava nenhum trabalho e nenhum pagamento. Provavelmente muitos tiveram que continuar trabalhando com os sintomas da Covid-19. Alguns podem ter tomado cloroquina, azitromicina e ivermectina e ido trabalhar, conforme recomendação do Governo Federal.

UM GOLPE FORTE

Novas leis foram promulgadas durante o primeiro ano da pandemia para ajudar as empresas a permanecerem abertas. Envolviam principalmente a possibilidade de redução de salários ou suspensão de contratos de trabalho sem rescindi-los. Mais uma vez, o pessoal da imprensa levou um duro golpe - de acordo com a FENAJ, pelo menos 3.930 jornalistas tiveram cortes de até 25% em seus salários, pelo menos 81 foram suspensos e um mínimo de 205 demitidos. A possibilidade de subnotificação é elevada, pois nem todas as empresas informaram os respectivos sindicatos desses eventos, conforme determina a legislação.

Em situações de trabalho precário, ou de repente encontrando-se com uma renda muito reduzida, muitos repórteres tiveram que pagar por seus próprios equipamentos de segurança durante o trabalho de campo, além dos custos de viagem e transporte.

Outros fatos estatisticamente relevantes provavelmente contribuíram para o alto número de mortes de profissionais de mídia na nação tropical. Um levantamento do Comunique-se 360 em 2019 mostrou que apenas 37% dos jornalistas brasileiros são mulheres. Dados da OMS indicam que os homens representam a maioria das vítimas de Covid-19. Os óbitos também se concentram nos estados de São Paulo (19), Amazonas (19), Pará (19) e Rio de Janeiro (15). São Paulo e Rio de Janeiro têm, juntos, 60,5 milhões de habitantes e representam a área mais populosa do país. Amazonas e Pará não tomaram medidas efetivas para proteger sua população e foram gravemente afetados pelo vírus, faltando leitos hospitalares e oxigênio durante todas as ondas de contágio. Uma cepa mais contagiosa da doença foi detectada pela primeira vez em Manaus, capital do Amazonas, e logo se espalhou para o restante do país e exterior.

UMA TEMPESTADE PERFEITA

Juntos, esses fatores representaram uma tempestade perfeita para muitos jornalistas brasileiros. Em meio a demissões, cortes de renda, perda de assistência médica privada, empregos precários, falta de proteção social, condições de trabalho e saneamento insatisfatórias ou perigosas, o país atingiu a triste marca de mais de 200 trabalhadores da mídia mortos pela infecção de Covid-19. Enquanto o resto do mundo viu uma redução nas taxas de mortalidade em 2021, o Brasil experimentou uma aceleração. Um plano de vacinação foi colocado em prática, mas está vacilando - o país ainda não inoculou todos os grupos prioritários.

Entre a necessidade de informar e o prenúncio de uma doença infecciosa sufocante, os jornalistas brasileiros continuam trabalhando em condições adversas.

A situação não é muito diferente em outros países latino-americanos como Peru, México, Colômbia, Equador, Argentina, República Dominicana, Venezuela, Bolívia, todos eles elencados entre os países em que os riscos são maiores para jornalistas na crise Covid-19, de acordo com a PEC. A América Latina lidera com mais da metade das mortes registradas de jornalistas e o dobro do número de vítimas da Ásia.

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